segunda-feira, 21 de março de 2011

Cópia Fiel

A expressão “cinema de arte” sempre me soou controversa, pois, a partir dela, podemos concluir que alguns filmes são “superiores” a outros e só eles podem ser considerados arte. Isso ainda se torna mais complicado quando tentamos definir o que é arte, uma discussão que nunca acabará, pois a arte é a transfiguração da realidade que rodeia um artista feita por esse mesmo artista, e a todo momento a realidade se transforma. Mas é inevitável classificar o filme Cópia Fiel, do iraniano Abbas Kiarostami, como “de arte”, pois ele incomoda, não passa despercebido, pelo seu conceptismo e pelas suas figuras de linguagem, que, a priori, podem confundir o leitor – como em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, de Michael Gondry, ou Sinédoque, Nova York, de Charlie Kauffman (que escreveu o roteiro de Brilho Eterno…) –, mas se explicam pelo contexto em que se inserem as várias camadas de interpretações que ele apresenta.

James Miller (William Shimell) é um escritor que está na Itália para falar sobre seu mais novo livro, Cópia Fiel, que aborda a questão do valor da cópia na arte. Ele então é convidado por Elle (Juliette Binoche) – dona de uma galeria de arte – para apreciar o lugar. Durante a caminhada, eles param para tomar o café e, em determinado momento, James sai para atender o telefone. Enquanto isso, Elle conversa com uma garçonete, que pensa que eles são marido e mulher. Ao sair de lá, eles agem como tal e discutem as desventuras de um relacionamento que parece estar se deteriorando.

As expressões de dúvida e até de descontentamento geradas por esse filme estavam estampadas nos rostos dos espectadores ao fim da sessão, justamente porque ele não se prende ao começo-meio-e-fim tradicional hollywoodiano. Não que ele seja melhor por isso, mas ele continua com o espectador, que se pergunta se deixou de prestar atenção em algum detalhe, pois, aparentemente, a história (o comço-meio-e-fim) não faz sentido.

Emoldurados pela belíssima fotografia de Luca Bigazzi, James e Elle passeiam por Lucingnano, uma comunidade localizada na Toscana, e dialogam pelos 100 minutos de filme. É como se fosse uma refilmagem madura de Antes do Amanhecer, de Richard Linklater, ou Apenas o Fim, de Matheus Souza, ou Dois Dias em Paris, de Julie Delpy. Essa é a primeira tirada metalinguística do filme: o valor da cópia na arte, tema do livro escrito pelo protagonista, pois questões sobre a originalidade da obra de vários artistas de valor incontestável, como Gauguin e Van Gogh; Picasso e Matisse; Claudel e Rodin, para citar alguns, foram lançadas, embora eles continuem a ser referência na história da arte.

Na primeira parte do longa, até chegarem ao café, os temas são bastante impessoais, como o fato de que o homem esquece que foi feito para a diversão e o prazer; e a característica própria da arte de ser interpretada a partir de diversos pontos de vista. Esses diálogos são travados num inglês polida e friamente britânico, como James aparenta ser. Aqui temos um mergulho em mais uma camada interpretativa da obra, pois a garçonete interpretou o casal como se eles fossem marido e mulher, então eles assumem esse papel na segunda metade, que é repleta de espelhos, sugerindo exatamente as várias superfícies da realidade.

Enquanto James está do lado de fora atendendo o telefone, Elle e a garçonete conversam em italiano, a língua de um povo conhecido por seu sangue quente, sua paixão, características que a protagonista revelaria a partir de então, pois suas primeiras lágrimas caem enquanto está no café. Daí o par de protagonistas assume a interpretação da garçonete e age como um casal em crise: ela, apaixonada e desesperada por ver seu casamento se esvair; ele, frio e distante por não mais acreditar no romantismo, que, mesmo assim, permanece vivo na doçura da língua francesa utilizada por Elle em diversos momentos. A utilização desses três idiomas para conduzir a trama atesta, portanto, a dificuldade desse casal em se comunicar, como se fosse uma Babel em minitura.

Mas tudo isso não se sustentaria sem as competentes atuações de William Shimell e Juliette Binoche, conduzidas pelo experiente Abbas Kiarostami, que realiza takes longos de diálogos que em nenhum momento soam desnecessários ou forçados. Além disso, os close-ups dos protagonistas trazem o espectador para dentro da obra, como se fosse a última parte dessa grande metonímia em que se configura esse filme, que, definitivamente, é “de arte”.

Filipe Teixeira

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