Existem filmes que se caracterizam por uma qualidade específica: o roteiro, a fotografia, a direção, os efeitos etc. No caso de VIPs, de Toniko Melo, o destaque são as atuações. Wagner Moura e Gisele Fróes dão ao filme uma dimensão muito maior do que ele alcançaria sem eles nos papéis centrais. Além disso, as possíveis raízes do comportamento delinquente do protagonista são sugeridas de uma maneira tão sutil, que a obra apresenta uma profundidade impossível de ser conseguida apenas pela ação.
O enredo é centrado na história de Marcelo, um jovem obcecado pela figura de um pai que nunca teve e pela idéia de ser piloto de avião. Nessa busca, ele aplica golpes e utiliza identidades falsas, como a do filho do dono da Gol Linhas Aéreas, aparecendo inclusive em um programa de TV.
A partir da história real de Marcelo Nascimento da Rocha, que em 2001 apareceu no programa de Amaury Jr. passando-se por Henrique Constantino, herdeiro da Gol, os roteiristas Bráulio Mantovani (de Cidade de Deus) e Thiago Dottori criaram uma nova história e, consequentemente, um novo personagem. Esse personagem, multifacetado que é, como os créditos iniciais sugerem, exige um ator que consiga suprir as necessidades de cada identidade assumida por ele. E Wagner Moura caiu como uma luva no papel.
Além de filho de empresário, Marcelo apropria-se de outras identidades, numa tentativa de encontrar a sua própria – como revelou o diretor Toniko Melo –, ou de apagá-la definitivamente, como por diversas vezes o próprio personagem dá a entender. Assim, de golpe em golpe e valendo-se de sua astúcia, o protagonista dá ação à trama, que é acompanhada de uma trilha sonora espetacular, assinada por Antonio Pinto, de Central do Brasil, de Walter Salles, Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, e O Amor nos Tempos do Cólera, de Mike Newell, que lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro. Destaque também é a montagem, que dinamiza o enredo e mantém a ação viva durante os pouco mais de 90 minutos de projeção.
Na direção, o estreante em longas Toniko Melo conduz com firmeza e sem excessos as ardilezas de Marcelo, fazendo, inclusive, uma autocitação quando em uma cena o protagonista assiste ao clipe da música “Será”, da Legião Urbana, dirigido por ele nos anos 80.
Todas essas qualidades já seriam suficientes para caracterizar VIPs como uma produção de destaque, porém o que a eleva de patamar são as atuações. Wagner Moura esbanja versatilidade ao assumir as várias faces de seu personagem, embora nos lembre em vários momentos que essas várias faces são na verdade máscaras de uma pessoa que não se encontrou ainda e que procura, em outras vidas, um rumo para a sua. Com uma participação menor, porém muito competente, Gisele Fróes é Silvia, a mãe de Marcelo, que não se apequena diante da genialidade de Wagner Moura.
As múltiplas personalidades assumidas por Marcelo, além da figura paterna idealizada, são conseqüências da dúvida de sua mãe sobre quem seria seu verdadeiro pai, pois, já na primeira cena, ela desdobra uma foto tirada numa festa de Carnaval em que está acompanhada de dois homens mascarados. Dessa cena, demembram-se duas possíveis interpretações: a metáfora da máscara, que, substituída por outra, faz com que quem a use assuma uma nova aparência, uma outra identidade; e a sugestão lançada de que Marcelo foi gerado na noite da foto, embora Silvia não esteja certa de quem seja o verdadeiro pai de seu filho, podendo ser qualquer um dos homens que a acompanham.
Assim, tanto o público interessado em ver um filme cuja ação é constante quanto quem deseja refletir a respeito das origens de uma personalidade perturbada encontra em VIPs uma ótima opção.
Filipe Teixeira
Filipe Teixeira
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