A epígrafe do livro infantil A Declaração Universal do Moleque Invocado, de Fernando Bonassi, é a seguinte frase de Mark Twain: “Se você se sentir como um verme, cave; se você se sentir como um pássaro, voe”. Ela seria perfeita também como epígrafe de A Árvore, de Julie Bertucelli, pois, durante o filme, percebemos como estar feliz ou triste é fruto de uma decisão, independentemente dos eventos que possam causar esses estados.
Quando Peter O’Neil (Ader Young) morre de um aparentemente ataque cardíaco, sua esposa, Dawn (Charlotte Gainsbourg), e seus filhos, Simone (Morgana Davies), Lou (Tom Russell), Tim (Christian Byers) e Charlie (Gabriel Gotting), precisam lidar com as conseqüências, tanto as práticas quanto as mais subjetivas, de sua morte. E cada um reage de maneira diferente, cada um se recupera em um tempo diferente.
Eles moram num lugar cuja paisagem erma sugere a solidão, que se adensa após a morte de Peter. Ao lado da casa da família, há uma árvore enorme, com a qual Simone passa a conversar convencendo-se de que o pai usa a planta para se comunicar com ela. E essa relação de Simone com a árvore é o ponto em torno do qual as ações do filme se encadeiam.
Dawn, a princípio, entrega-se à dor da perda, mas, durante uma crise de choro, ela abre a janela e deixa a luz entrar, construindo uma metáfora belíssima, pois esse é o momento em que decide que não precisa só sofrer, dando vazão a outras sensações além da saudade do marido. Então ela encontra George (Marton Csokas) e inicia um relacionamento com ele, num claro sinal de que a morte do marido foi superada e que pretende reconstruir sua vida.
Já Simone encontra na árvore uma forma não de se conformar com a morte do pai, mas de contentar-se com ele em outro ser. E a árvore parecer “convencer-se” de que é Peter e se humaniza. Tem ciúmes, quando joga um galho em cima da cama de Dawn no dia em que ela beija George; alegra-se, quando presenteia a família enchendo-se de flores; e com suas raízes fortes mantém a família unida.
Em determinado momento do longa, Simone diz a uma amiga que ser feliz ou triste é uma questão de decisão. Isso só ratifica a frase de Mark Twain, pois ela decidiu cavar o quanto pôde, viver a dor que sentiu ao perder o pai, e fez isso de maneira tão sincera que pôs em cheque, inclusive, a felicidade da mãe, que decidiu voar.
Talvez em alguns momentos certos diálogos ou imagens soem desafiadoras do poder de interpretação do leitor de tão óbvias que são, mas não estragam o todo. A Árvore é um filme delicado e deve ser visto não só pela história comovente de uma família que repentinamente passa a conviver com o luto, mas também pela linda fotografia, de Nigel Bluck, que ladeia seus personagens e pelas excelentes interpretações de Charlotte Gainsbourg e Morgana Davies, em especial.
Filipe Teixeira
Nenhum comentário:
Postar um comentário