Segundo Karl Marx, filósofo alemão fundador do socialismo científico e autor do clássico O Capital, o capitalismo está condenado a crises cíclicas. Em 1929, o mundo experimentou uma dessas crises, quando houve um crash da Bolsa de Valores de Nova York. Após esse evento catastrófico para a economia mundial, várias medidas foram tomadas para que as movimentações financeiras não criassem terreno para que acontecesse nada parecido. Quase 80 anos depois, em setembro de 2008, o ciclo se fechou novamente e o mundo se viu mergulhado numa crise econômica tão alarmante quanto à do começo do século XX. E é sobre os eventos que antecederam esse fato, bem como suas implicações, de que trata Trabalho Interno, de Charles Ferguson, vencedor do Oscar 2011 na categoria Melhor Documentário.
Mas este não é um filme alinhado ao socialismo ou contra o capitalismo, como o próprio autor afirmou à revista IstoÉ Dinheiro. (Charles Ferguson, inclusive, é empresário). A grande crítica que o documentário faz é ao sistema financeiro desregulamentado, que teve início durante a Era Ronald Reagan, marcada pelo neoliberalismo econômico, e que, desde então, criou uma bolha que estourou no já problemático governo de George W. Bush, cuja inclinação bélica foi criticada em outro filme de Ferguson, Sem Fim à Vista, sobre a Guerra do Iraque. E, embora o início e o estopim da crise tenham acontecido em governos comandados por republicanos, Trabalho Interno não exime os democratas Bill Clinton e Barack Obama da permissividade em relação aos caprichos de Wall Street.
Além da face política da crise, Ferguson analisa o fato de que o meio acadêmico também contribuiu para que ela acontecesse, pois muitos dos professores das principais universidades americanas, como Harvard e Columbia, eram e são consultores de empresas ou membros da equipe econômica do governo americano. Além disso, eles respaldaram, por meio de suas aulas ou de artigos científicos, um sistema que, em linhas gerais, vendia casas a pessoas que não podiam pagar e, quando não pagaram, quem lhes vendeu, faliu. Isso gerou uma avalanche que deixou muita gente soterrada, a não ser o alto escalão dos grandes bancos, investidoras e seguradoras, a cujos cargos renunciaram e ainda receberam milionárias indenizações.
Narrado por Matt Damon, o roteiro é recheado de termos técnicos, gráficos e trechos de documentos que surgem numa velocidade que pode confundir o espectador. Esse é o ponto fraco do filme, pois, embora seja sobre economia e fatalmente fosse necessário usar termos técnicos dessa área, quem já não está familiarizado com eles entende a ação de maneira apenas superficial. (Principalmente porque boa parte das legendas (de cor branca) aparece sobre um fundo branco, inviabilizando a leitura e o entendimento de quem não domina a língua inglesa).
À narração dos fatos, somam-se entrevistas tanto com quem participou efetivamente da crise, permitindo que ela acontecesse, quanto com quem previu que ela aconteceria, tão alarmante que eram seus indícios. Ferguson revelou que, para algumas dessas entrevistas, ele foi acompanhado de seguranças, pois temia que o entrevistado tomasse as fitas e, embora não tenha revelado quem poderia fazer isso, percebemos a resposta pela reação de alguns dos entrevistados. São exibidas também imagens reais, num trabalho de edição muito competente – embora convencional –, realizado por Chad Back e Adam Bolt, que, junto com o diretor, assinam o roteiro.
Ao contrário do cultuado Michael Moore (Fahrenheit 11/9), Ferguson atua apenas atrás das câmeras e o máximo que se pode perceber de sua participação é sua voz ao entrevistar de maneira implacável e bem embasada os responsáveis por essa crise que atingiu o mundo inteiro, como, inclusive, é ressaltado ao mostrar a repercussão do problema na Europa e na Ásia.
No seu discurso quando recebeu a estatueta do Oscar, Ferguson disse que nenhum dos responsáveis pela crise foi preso e que isso é errado. Pior: o presidente Barck Obama, cuja campanha eleitoral o próprio Charles Ferguson ajudou a financiar, foi eleito na esperança de que as raízes da crise, que consistem na desregulamentação do mercado financeiro e na irresponsabilidade de quem o gere, fossem definitivamente cortadas. Mas o que se viu foi o presidente americano reconduzindo aos principais cargos da economia americana as mesmas pessoas que a minaram, ao contrário do que aconteceu em 1933, com o New Deal do presidente Roosevelt. Por isso, Karl Marx, aparentemente, esse próximo ciclo tende a ser bem menor que o último.
Filipe Teixeira
Filipe Teixeira
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