Nas primeiras cenas de Inverno da Alma, de Debra Granik, percebemos que os cenários estão sempre desarrumados. Cozinhas, salas, jardins, quintais, tudo está em desordem, assim como a vida de Ree Dolly (Jennifer Lawrence), que, aos 17 anos, tem que cuidar dos dois irmãos mais novos e também de sua mãe, que apresenta problemas mentais. Seu pai, ao sair da prisão, não voltou para casa e, como garantia de sua condicional, pôs a casa onde Ree, os irmãos e a mãe moram. A garota, então, precisa, em uma semana, antes da audiência, encontrar o pai, vivo ou morto, para que não “vivam na floresta feito cães”, usando as palavras dela.
A oportunidade e a democracia, símbolos da América, parecem não ter chegado à região onde Ree vive, as montanhas Ozarks, no estado do Missouri (EUA). Ali as relações baseiam-se na vontade dos mais fortes, e ela não faz parte desse grupo. Mas com coragem reúne forças para lutar contra o sistema cru estabelecido e inicia a busca pelo pai, enfrentando humilhações tanto físicas quanto psicológicas.
A fotografia, de Michael McDonough, apresenta um cenário frio, intensificado pelos semblantes dos personagens, sempre fechados, como se a frieza física tivesse congelado suas emoções. Mesmo quando demonstram solidariedade ou quando festejam algo, percebemos que há uma atmosfera de medo, gerando um suspense que agrava o frio do lugar, resultado das ótimas atuações, principalmente de Jennifer Lawrence, John Hawkes (ambos indicados ao Oscar 2011, nas categorias Melhor Atriz e Melhor Ator Coadjuvante, respectivamente) e de Dale Dickey, que está assustadora.
Em determinado momento do filme, Ree pede à mãe um conselho, mas não obtém resposta, devido à sua debilitada saúde mental. Então a protagonista chora, demonstrando sua humanidade, fugindo do estereótipo da heroína tradicional que suporta todas as dificuldades sem apresentar fraquezas. Ela sequer tem esperança, pois, ao ensinar a Sonny, seu irmão, como dissecar um esquilo, ele pergunta, no momento em que tira suas vísceras: “Precisamos comer isso também?” E Ree responde: “Ainda não”. Mas o que se sobressai da personalidade da protagonista é a força e a altivez, representada por um conselho que ela dá a seu irmão: “Nunca peça o que deve ser oferecido”.
Todas essas características levaram este filme a indicações em várias categorias dos principais festivais do cinema independente, como o Sundance Festival e o Independent Spirit Awards, bem como da maior premiação do cinema americano, o Oscar, com destaque para Jennifer Lawrence, cuja atuação lhe rendeu diversos prêmios. Mas o grande trunfo de Inverno da Alma, assim como em Rio Congelado, de Courtney Hunt, é mostrar ao público essa América que está bem longe da que Hollywood nos oferece.
Filipe Teixeira
Filipe Teixeira
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