Fazer comédia com religião é sempre perigoso, principalmente se a religião for o islamismo. Agora fazer comédia misturando islamismo e judaísmo é, como diria Raul Seixas, um perigo perigosíssimo. Esses são o gênero e o tema, respectivamente, de Santa Paciência, de Josh Appignanesi, que conta a história de Mahmud Nasir (Omid Djalili), um muçulmano que descobre ser judeu de nascimento.
Embora seja um tema espinhoso, o diretor e, principalmente, Omid Djalili souberam conduzir a história de maneira que não parecesse um deboche. Há diversas ironias – como o fato de que tanto os judeus quanto os muçulmanos sempre usam “Jesus!” como interjeição – e toques de comédia pastelão – quando Mahmud tenta subir em um palco e não consegue por ser gordo e sedentário – que dão a leveza necessária para tirar toda tensão em torno do assunto.
Mahmud é um homem que nasceu em berço de tradições rígidas, mas que, influenciado pelo modo de vida ocidental – o filme se passa na Inglaterra –, abranda certos ensinamentos que estão no Corão e diz inclusive que é um religioso moderado. O problema é quando seu filho, Fahad (Ravin J. Ganatra) se apaixona pela enteada de um líder muçulmano extremista, então, para que seu filho possa casar-se, ele precisa provar que é um fiel seguidor de Alá e que obedece rigorosamente as escrituras sagradas.
Mesmo relutante a princípio, Mahmud aceita o pedido do filho, mas, na mesma época, descobre que na verdade foi adotado por muçulmanos e que seus pais biológicos eram judeus. Tentando encontrar suas raízes, o protagonista encontra no taxista judeu-americano radicado na Inglaterra Lenny Goldberg (Richard Schiff) o parceiro ideal para encontrar o judeu que habita em si. Assim como Mahmud, Lenny é alguém que não segue rigorosamente os preceitos de sua religião.
Existe toda uma mensagem de paz e tolerância nas entrelinhas de cada cena, mas nada exacerbado, para não tirar o tom muito bem dosado de comédia, que se confirma na sátira ao modo como os membros de cada religião tratam os da outra. Quando Lenny descobre que Mahmud é judeu, por exemplo, ele diz: “Bem-vindo à conspiração mundial”. Todas essas qualidades são motivos suficientes para perdoar o final forçado, que usa quase que literalmente da técnica do deus ex-machina para que a trama se resolva.
Santa Paciência (apesar da tradução não muito feliz do título original The Infidel) é, portanto, um ótimo filme e deve ser visto, pois trata de maneira leve um tema com o qual é bem difícil de lidar.
Filipe Teixeira